Estou
escrevendo esse texto em pé, porque está difícil de sentar. Fui
atingido por uma bala de borracha nas nádegas enquanto protegia um
garoto que, em prantos em meio à fumaça e às bombas que jogavam em
nossas cabeças - meu ouvido esquerdo está zunindo até agora-, um garoto
que só conseguiu me dizer que perdera o irmão no meio do conflito tribal
que nos envolveu a todos nesta noite.
Naquele
momento, estávamos todos ajoelhados implorando para que os funcionários
do Athenas Bar abrissem a porta e aliviassem um pouco do nosso
sofrimento. Havia algumas pessoas caídas no chão - e essas pessoas eram o
alvo preferencial das bombas que a polícia jogava sem piedade. Eles se
aproximavam cada vez mais, a porta do Athenas se abriu e, por sorte,
minha amiga Taís que me acompanhava conseguiu entrar no bar. Ela estava
descalça e com as mãos queimadas, acertada por uma bomba.
Eu
fiquei para fora, aliviado pela Taís estar a salvo. Foi nesse momento
que vi o garoto ajoelhado, chorando, enquanto os policiais se
aproximavam com as armas em riste. Percebi que eles iam atirar, por isso
peguei o menino pelos braços e saí correndo com ele, momento em que
levei um tiro pelas costas. Naqueles minutos agônicos, tudo que ele
fazia era chorar agarrado ao meu pescoço enquanto gritava “Perdi meu
irmão, ele é menor que eu!”. Eu era tudo que ele tinha. Por um momento,
eu fui o mundo para um completo estranho. A dor da bala de borracha e
das bombas que continuavam jogando em nossa direção simplesmente se
dissolveu na dor do mundo que estilhaçava o coração do menino. Ele
acabou indo embora. Nunca saberei seu nome, mas vivi da sua dor.
Sem
abrigo, tentei encontrar um lugar para me esconder. Só escutava tiros e
bombas. As poucas pessoas que sobravam dentro dos ônibus só gritavam
“Deus te proteja, menino.” Lembro de uma velhinha que chorava e me
acenou com um sinal de positivo com os dedos. Finamente, consegui um
abrigo, por sorte. Fui o último de quatro - apenas quatro - pessoas que
foram admitidas num estabelecimento privado de ensino. O moço que corria
atrás de mim, apavorado e perdido como eu, foi pego. Não o deixaram
entrar. Eu o observei de dentro da grade. Foi espancado e preso. Eu
chorei, impotente, e me odiei. Passei mais duas horas sem saber o que
acontecia, ouvindo apenas tiros, bombas e as pessoas que ainda restavam
na rua gritando “Sem violência!”. Minha outra amiga, a Ju, conseguira
voltar a faculdade, alvejada por duas balas - uma nas costas outra na
cabeça. Eu me perdera dela quando a polícia nos encurralou em um
quarteirão e jogou bombas na multidão, o que provocou um empurra-empurra
que degringolou num pisoteamento em massa das pessoas. Foi nessa hora
que a Taís perdeu o sapato, para falar a verdade.
Nós
estávamos gritando “Sem violência!” desde a Consolação, quando 20 mil
pessoas pacíficas - não houvera qualquer ato de vandalismo até então -
foram recebidas a bomba pela polícia, sem nenhuma razão ou explicação
aceitável em uma sociedade democrática.
Renan,
Em São Paulo,
A 14 de junho de 2013.
Agradecemos ao Renan por este texto maravilhoso!!
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