domingo, 18 de agosto de 2013

Pablo Capilé: e por falar em calote

14.8.13

 Texto extraído do blog:

http://nobrefarsa.blogspot.com.br/2013/08/pablo-capile-e-por-falar-em-calote.html



                                          Reprodução/TV Cultura


Por falar em calote

Convém visitar o site da Justiça do MT, onde Pablo Capilé é cobrado desde 2007 por um cheque-caução sem fundo de R$ 12 mil passado ao Hotel Master, de Cuiabá, parceiro do Fora do Eixo no Festival Calango.

A Justiça não consegue intimá-lo, afinal, é um homem de muitas casas América Latina afora.

O número do processo é este: 307098 - 2007 \ 404. Nr: 16356-23.2007.811.0041.
http://www.jusbrasil.com.br/diarios/38004915/djmt-19-06-2012-pg-81

Podem ser feitas as consultas necessárias ouvindo as pessoas: a advogada Ana Kelcia tem prazer em explicar a dificuldade de executar a cobrança. O valor corrigido hoje já passa dos R$ 30 mil.

Outro hotel, o Abudi, também protocolou petição junto à Secretaria da Cultura local, mas desistiu de mover ação. Isso significou R$ 5 mil que o Fora do Eixo embolsou na marra.

Vai morar com alguém? Saiba quem é.



Portal de Transparência? Minha contribuição
Acho linda a ideia. Convém informar quantos quadros do Fora do Eixo estão sentados próximos a verdadeiras jazidas de dinheiro público em forma de edital.

Começo por Ney Hugo Jacinto Silva, ex-Macaco Bong (lembrem-se, a banda ideal) e um dos líderes da Casa Fora do Eixo de Porto Alegre, que é titular no Conselho Nacional de Política Cultural, no colegiado de Música, um baixista que toca lobby de ouvido. Também incluo Ivan Ferraro, conselheiro do segmento de Música Popular, Fora do Eixo no Ceará.

O que é o Conselho Nacional de Política Cultural? É o órgão do Ministério da Cultura onde se determinam as diretrizes de aplicação do Fundo Nacional de Cultura e a aprovação de projetos de financiamento.

Com um lobby bem postado, você sai na frente de qualquer captador. Pode inclusive dar ideias como a de um "financiamento de rede" – algo que já está presente, por exemplo, nos editais da Petrobras.

Poderiam falar também de como estão situados estrategicamente:
- Rodrigo Savazoni, ex-Existe Amor em SP, chefe de gabinete na Secretaria Municipal da Cultura da São Paulo;
- Fabrício Nobre, superintendente de Ação Cultural da Secretaria da Cultura de Goiás, produtor do Festival Bananada;
- Rayan Lins, Gerente Executivo de Promoção Cultural da Secretaria de Cultura da Paraíba até julho do ano passado* e Fora do Eixo local, produtor do Festival Mundo;

Há outros nomes, mas eu ainda confio na utilidade de um Portal da Transparência.



Mas Márvio, é errado fazer política?
Não, nunca foi. Mas uma ideologia que se contrapõe a uma "cultura capitalista desumanizada" fazer tanta questão de irrigar e expandir seu sistema para depois costurar parcerias empresariais/políticas, sem se preocupar em valorizar os artistas ou a obra, é muito capitalista também.

Ou então partamos logo do princípio de que o artista tem mais é que se foder.

Cuiabá, síndrome do Ninho Vazio
O Festival Calango, principal evento do Fora do Eixo em Cuiabá, não existe há pelo menos 2 anos. O Espaço Cubo, onde tudo começou, não existe mais. A cidade histórica do Fora do Eixo foi abandonada, depois que o projeto migrou para o eixo, em busca de interagir com os movimentos sociais. Só restam arremedos, se comparados com o protagonismo fora do eixo que o próprio Pablo Capilé vendia.

Cuiabá serviu enquanto não era pequena. Hoje, o único movimento perceptível por lá é dos oficiais de Justiça.

"Foi apenas uma experiência ruim sua"
- Beatriz Seigner, São Paulo, ocultação e retardo de cachê;
- Daniel Peixoto, Fortaleza, negligência na produção de CDs e prejuízo à carreira;
- Bruno Kayapy, Cuiabá, de artista ideal a afastado convicto;
- Vanguart;
- Abril Pro Rock, Goiânia Noise, Senhor F e outros festivais históricos do país;
- O Coletivo Soma;
- A Favela do Moinho
- Banda Lisabi, calote no Cedo e Sentado desde 2011, não pago;
- Críticas do próprio MPL, movimento desmonetarizador das passagens (!!!)
- O hotel Master, em Cuiabá;
- Laís Bellini;
- Todas as bandas que acabaram quando o circuito se fechou num esquema de trocas e parceria em que não bastava ser artista, e sim unidade de captação - essa desmonetarização incrível, diluída num mosaico de parcialidades.

Você também tem uma história de calote? Abra a boca.

Do que falo quando falo de Fora do Eixo
O artista desmonetarizado existe há séculos. Não foi inventado nos últimos anos. Ele antes andava por tavernas, igrejas e bares, tocava por pratos de comida e tentava viver com seu compromisso. Ele viajava do próprio bolso para tocar e recebia nas mais diferentes moedas: flertes, drogas, vaidade, certezas.

A única coisa que mudou é que ele hoje é explorado por aqueles detentores de circuitos ditos alternativos que propagandearam ser um novo caminho. Gente que se apropria de um dinheiro público que deveria, segundo instruções de editais claríssimos, remunerar o artista.

Gente que se apresenta como A SAÍDA para quem não está no mainstream.

Se há quem goste de receber notas de Banco Imobiliário pelo seu trabalho, ou viver no sistema autoral pré-Renascença, não vejo problema algum. O país tem liberdade de crença.

Repugnante é ver alguém se arvorar a Robin Hood pós-moderno, enquanto sistematicamente atrasa, oculta e sonega os cachês que foram combinados - não interessa se são R$ 20 mil ou se são apenas R$ 250. É falta de caráter.


* Errata: e não secretário de Cultura da Paraíba, como antes referido.


Leia o post anterior sobre o Fora do Eixo aqui. Aguarde um próximo artigo.

Pablo Capilé e a verdade sobre sua política de não pagar cachês 

12.8.13

Texto extraído do blog:

http://nobrefarsa.blogspot.com.br/2013/08/pablo-capile-e-verdade-sobre-sua.html

 

1. Quem sou
Meu nome é Márvio dos Anjos. Sou hoje mais conhecido como jornalista (com passagens por TV Globo, Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil); hoje diretor editorial do jornal Destak e colunista do GloboEsporte.com.

Mas já fui muito atuante como cantor e compositor das bandas Glamourama (2002/03) e Cabaret (2004-último show em 2010). O Cabaret hoje se encontra desativado, sem shows na agenda, e com um disco gravado em 2009, mas ainda inédito.
Entre 2003 e 2009, toquei em 10 capitais do país, participei de programas de TV (Programa do Jô, Código MTV) e participei de muitos festivais independentes: Mada (Natal), Calango (Cuiabá), Mundo (João Pessoa), Se Rasgum no Rock (Belém), Panela Rock (Fortaleza), Ruído (Rio), Grito Rock (Rio), Vaca Amarela (Goiânia).


Nunca tive um produtor, ou agente. Nunca fui organizador de festival. Tanto Glamourama quanto Cabaret foram produzidos por mim mesmo até a minha desistência diante das portas que se fechavam no circuito, à medida que comecei a criticar as mudanças de rumo, que considero até hoje de má-fé. Não sou filiado a partido algum.

É com base nessas experiências que analiso Pablo Capilé e o Fora do Eixo. Sou crítico de primeira hora, desde 2008, quando percebi as mudanças de rumo que aconteciam em tudo que eles contaminavam com uma política perversa de apropriações de capital cultural e de dinheiro público.




2. A verdade sobre Pablo Capilé e a política de não pagar cachês

Em 9 de agosto deste ano, Pablo Capilé, bombardeado por denúncias desde a aparição do Mídia Ninja no Roda Viva, deu sua opinião em relação ao não-pagamento de cachês. Disse ao UOL que defende a remuneração de artistas. (Leia aqui)

Só se mudou de ideia. Porque no exato momento em que os festivais da Abrafin ganharam dinheiro da Petrobras (o 1o. edital é de 2007, o festival dele passa a ser beneficiado em 2008), ele passou a defender que os artistas mais novos e menos conhecidos - que tocavam por apenas 20 minutos nos festivais - não ganhassem passagem nem cachê. 


(A Abrafin é a Associação Brasileira de Festivais Independentes, criada em 2005 para negociar fomentos em bloco)

Capilé dizia da forma mais absolutamente cínica possível, e não apenas em uma entrevista, que artista iniciante não deveria cobrar cachê. Era uma política institucional do Fora do Eixo e seus festivais rezavam por essa cartilha.



Aliás, sobre pagar cachês, o texto do 1o. edital da Petrobras para Festivais (2007) era bem claro no que tange o seu 11o. pré-requisito: 

"Todos os artistas devem ser remunerados."

Veja neste vídeo de 2008 como carismático Pablo Capilé se outorga o juízo, com direito a slogan, de delimitar em que circunstâncias um artista é artista para aquele "momento". 

 
Esse vídeo é de 2008, quando o orçamento do Festival Calango, apoiado pela Petrobras e outras fontes, JÁ ERA de R$ 600 mil. 


Nesse mesmo ano, numa palestra do Abril Pro Rock (que tinha orçamento de R$ 1 milhão, engordado pela Petrobras), eu testemunhei Capilé dizer a mesma coisa: foi no auditório da Livraria Cultura. Eu cobria os shows para a Folha de S. Paulo. 

Não acreditei quando ouvi. Fui interpelá-lo depois. Disse-lhe que ele era criminoso em dizer isso num momento em que o dinheiro da Petrobras começava a fluir. Para ele, o importante era ver a cena crescer e depois quem sabe repartir.



Não foi uma politica momentânea. Dois anos depois, a opinião dele não mudava. Pablo, já com a maioria na Abrafin, deu estas declarações ao zine "O Inimigo", se autodenominando sem qualquer pudor:



"(...) [é preciso] entender os festivais mais como mostra do que como plano de sustentabilidade financeira. Eu sou dentro da ABRAFIN um defensor de que não se deveria pagar cachê as bandas. Festival é uma mostra." (extraído do blog de Rogério Skylab)


3. Por que o argumento de que o cachê inviabiliza o festival é uma falácia? 

a.Quem capta para qualquer evento cultural sabe que o cachê e as passagens são parte dos encargos: senão você está repassando o prejuízo para o artista e, em vez de contribuir para quem realmente move a cultura, você está apenas se aproveitando da ânsia de visibilidade que normalmente o artista novo tem. E aquele edital deixava bem claro que o artista tinha que ser remunerado.

b. Para balizar o que seria um cachê, a tabela da Ordem dos Músicos já seria uma excelente referência. Se o show não chegasse a uma hora, que se pagasse uma parcela disso. Os festivais, porém, optaram por uma sub-remuneração: o piso em alguns desses festivais variava de R$ 500 a R$ 1.000 POR BANDA, e não por integrante. Sei porque me foi oferecido por um desses festivais e eu recusei: não fazia sentido, após 3 anos de atuação em festivais, sair do Rio para o Nordeste nesses termos e tocar por menos de meia hora.

c. Os festivais apostavam no gigantismo para se cobrir de números de powerpoint, e esse modelo tinha que ser revisto para ser sustentável. De que adiantava ter 50 bandas, se a maioria delas faria shows de 20 minutos? Seria mais interessante ter menos bandas, avaliadas por uma curadoria competente, até para ter sentido o esforço de pagar-lhes as passagens e o cachê. 

d. Se fosse para manter os números, o mais correto seria valorizar os artistas da vizinhança, os quais não precisariam de hospedagem nem de passagens, mas que ainda assim teriam que ser remunerados de alguma forma.  Só que, para fins de criar a rede, era importante se aproveitar do voluntarismo típico de bandas jovens de rock, que topavam arcar com o prejuízo em seus inícios.

Era preciso juntar dezenas de bandas, de forma que elas ficassem o mais anônimas possível. As que agregavam valor (brasileiros mais estabelecidos e gringos de qualquer nível) recebiam cachê e não precisavam se horizontalizar. 

Sim, Capilé apenas fazia o branding do Fora do Eixo, travestindo-o de política cultural coletivista e hoje, em última instância, de movimento social. O Fora do Eixo é tão movimento social quanto o TelexFree.




4. Mais sobre o projeto de aniquilação do novo artista em nome do branding

Por isso, faz total sentido comparar o relato de Beatriz Seigner, primeira denunciante contra o Fora do Eixo, com o de Rafael Vilela, um dos primeiros membros-defensores do Fora do Eixo:

Beatriz diz: 

O susto veio (..) porque o Pablo Capilé dizia que não deveria haver curadoria dos filmes a serem exibidos neste circuito de cineclubes, que se a Xuxa liberasse os filmes dela, eles seguramente fariam campanha para estes filmes serem consumidos pois dariam mais visibilidade ao Fora do Eixo, e trariam mais pessoas para ‘curtir’ as fotos e a rede deles – pessoas estas que ele contabilizaria, para seus patrocinadores tanto no âmbito público, quanto privado. “Olha só quantas pessoas fizemos sair de suas casas”. E que ele era contra pagar cachês aos artistas, pois se pagasse valorizaria a atividade dos mesmos e incentivaria a pessoa ‘lá na ponta’ da rede, como eles dizem, a serem artistas e não ‘DUTO’ como ele precisava. Eu perguntei o que ele queria dizer com “duto”, ele falou sem a menor cerimônia: “duto, os canos por onde passam o esgoto”.  

Rafael, em defesa do FdE, descreve seu trabalho: 

Nesse bolo todo assumimos um processo radical de autoria coletiva das imagens, por entender que não é impossivel, no processo criativo da fotografia e do jornalismo, entender qualquer atividade como ação individual. Quando estamos documentando qualquer pauta, chegamos com um ponto de vista que é fruto de nosso contexto (...). A empatia com os fotografados, suas histórias e suas vidas é sempre um encontro de dois mundos, dois grandes indivíduos em diálogo, cada retrato tem 50% do fotógrafo e 50% do fotografado. Ainda, a edição, escolha do material final e difusão envolvem dezenas de outras pessoas. (...) Como, então, imaginar uma fotografia, fruto do nosso encontro com o mundo, pertencente a uma pessoa só, sozinha? Quando nada é de ninguém, tudo é de todos e a gente voa. 


Acho que Rafael nunca imaginou que, para o mesmo Pablo Capilé que vê valor num filme da Xuxa, eventuais exposições de Bob Wolfenson, Sebastião Salgado e Evandro Teixeira nas casas Fora do Eixo JAMAIS seriam tratadas como a Casa Fora do Eixo o ensinou a tratar a própria produção. 

Rafael é apenas mais um cavalo no qual o Fora do Eixo monta - exatamente como era o Macaco Bong na música. 




5. O case Macaco Bong



                                         O trio Macaco Bong, com Kayapy à frente


O Macaco Bong, banda de Cuiabá, era o conceito ideal de artista para Pablo Capilé, como pudemos ver no vídeo postado acima. Repare que há um claro discurso entre o artista "preguiçoso" e o artista atuante, que tem algo a trocar além de sua arte. 

Como se no Brasil não houvesse um número imenso de artistas que trabalham em outras ocupações para pagar suas contas, Capilé vendeu a ideia de que todo artista que não trabalhasse 100% na rede que ele conduzia estava em casa esperando o convite para se tornar milionário. Muita gente comprou esse discurso.

O Macaco Bong era o ideal. Uma entrega total ao conceito de rede. Davam 100% do cachê ao FdE, moravam na Casa Fora do Eixo de SP, faziam direção de palco e pilotavam mesa de som nos festivais em que iam também para tocar. Eram o cavalo Sansão da "Revolução dos Bichos", de George Orwell, que dizia "Trabalharei ainda mais" em nome da ordem mantida pelos porcos-chefes. E ganhava em cards.

Quando eu comecei a criticar publicamente o Fora do Eixo, Bruno Kayapy, guitarrista e principal figura da banda, me deixou claro que eu era o inimigo. "Ou tá com nóis ou não tá, a parada é assim, mano, e se não estiver, acabou, é guerra", me disse ele quando tocamos no Festival Mundo, de João Pessoa, em 20 de outubro de 2008.



Mas o tempo passa e as circunstâncias mudam.

Leia o que Kayapy disse aos repórteres Amauri Stambowski e Mateus Potumati, da revista Soma, em abril deste ano:



Você passou por problemas de saúde sérios nos últimos anos. Como isso se refletiu na banda?

Em 2009 eu tive um distúrbio intestinal e surgiu um tumor. Tive que ficar seis meses sem tocar, um bom tempo internado. De certa forma virou um tabu, porque naquela altura, se saísse uma noticia dessas, seria muito perigoso para a imagem institucional do projeto. Eu estava altamente magoado por ninguém ter ido me visitar no hospital e se eu falasse naquela pegada de rancor poderia acabar prejudicando até mesmo o processo de mudança do Macaco Bong. Eu também era muito novo, não cuidava da minha saúde direito, a gente fumava muito, bebia muita Coca­Cola, não bebia água direito, era muito louco. O bagulho era assim: se o trago do cigarro tava bom, não dava dor no estômago, ok, era hora de sentar e trampar. Quando batia aquela larica, cada um ia lá, pegava um copo de Coca-Cola e acendia outro Marlboro e voltava a trampar. Quando batia aquela mega fome desgraçada, a gente ia na esquina comer, fumando um cigarro, comia uns salgados e voltava fumando outro cigarro. Só dá para fazer isso enquanto se é jovem. Porém hoje eu tenho uma rotina mais saudável, minha qualidade de sono é melhor, tive que educar radicalmente minha alimentação após a retirada do tumor. Felizmente deu tudo certo, sem riscos, sem sequelas. (íntegra aqui)



Na mão do Fora do Eixo de Pablo Capilé, a arte perde seu valor subjetivo e vale apenas por sua utilidade. Doente, Kayapy, o músico da banda mais importante do cenário que ele vislumbrara, não merecia nem uma visita. 


EM TEMPO
No último domingo, (11 de agosto de 2013), Bruno Kayapy decidiu deixar claro em sua página no Facebook, a quem interessar possa, que sua banda não tem mais qualquer laço com o Fora do Eixo. 

Num próximo artigo, falaremos mais das políticas culturais perversas e parasitárias de Pablo Capilé e o Fora do Eixo.

Ex-integrantes da entidade controladora do Mídia Ninja falam com exclusividade para CartaCapital e condenam práticas da organização

 

Fora do eixo

Ex-integrantes da entidade controladora do Mídia Ninja falam com exclusividade para CartaCapital e condenam práticas da organização
por Lino Bocchini e Piero Locatelli — publicado 16/08/2013 08:52, última modificação 16/08/2013 16:25
Fora do eixo
Artistas sem pagamento em casa remunerada
Na esteira dos protestos de junho, a Mídia Ninja emergiu como uma novidade instigante, um novo modelo de jornalismo. A concepção é simples e barata: por meio de celulares, os repórteres ninjas transmitem pela internet as imagens dos acontecimentos. Não há texto nem edição, apenas os vídeos em estado bruto em transmissões que facilmente duram seis horas. Na página do grupo no Facebook, há ainda fotos dos atos.
O sucesso repentino tornou-se, porém, uma fonte de dor de cabeça. Tudo começou com a presença de dois de seus expoentes no Roda Viva, programa de entrevistas da TV Cultura, em 5 de agosto. O jornalista paulistano Bruno Torturra, até então, era a única face do Mídia Ninja, acrônimo de “Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”. A novidade foi a presença de Pablo Capilé, criador do coletivo Fora do Eixo, guru de uma nova forma de ativismo. Ficou clara a ligação umbilical dos dois (Ninja e Fora do Eixo), antes praticamente desconhecida.
Por que essa relação virou alvo de tantas críticas? Em pequenos círculos, não é de hoje, corriam acusações contra o movimento. A exposição de Capilé amplificou as acusações nas redes sociais, espaço de excelência do grupo. Nos últimos dias, CartaCapital ouviu oito ex-integrantes e debruçou-se sobre a estrutura organizacional do coletivo. Metade deixou-se identificar. Os demais preferiram não ter seus nomes citados, por medo de represálias, mas confirmam as informações dos ex-colegas. Emergem da apuração um aglomerado controverso, acusações de estelionato, dominação psicológica e ameaças.
Nas casas, os integrantes dividem quartos, dinheiro, comida e roupas. E estão submetidos ao “processo” do Fora do Eixo. “Primeiro te isolam. Proíbem de sair na rua ´sem motivo´, impedem de encontrar amigos ou estabelecer qualquer contato com pessoas de fora. Depois, vem a apropriação de toda a sua produção. O cara sai sem grana, sem portfólio e distante dos amigos antigos. Sem apoio psicológico ou da família vai demorar a se restabelecer social e profissionalmente”, diz o fotógrafo Rafael Rolim, 29 anos, 3 deles na organização, em contato direto com Capilé. Rolim e os demais integrantes ouvidos pela revista endossam o depoimento da ex-integrante Laís Bellini, postado nas redes sociais.
A cineasta Beatriz Seigner foi a primeira a criticar o coletivo. Em texto postado no Facebook dois dias após o Roda Viva, diz, entre outros pontos, que o Fora do Eixo rompeu acordos e não lhe pagou por exibições de seu filme. Escreveu ainda sobre o volume de trabalho dos integrantes, que não teriam direito à vida pessoal ou diversão. Se disse ainda impressionada com a devoção à figura de Capilé. E comentou a repercussão: “Chegaram centenas de mensagens de coletivos e artistas do Brasil todo agradecendo o desmonte da rede. Estou aliviada."
No dia seguinte foi a vez de Laís Bellini. Segunda ex-integrante a se manifestar, seu longo relato é considerado por outros ex-membros o mais completo e fiel retrato do dia-a-dia do coletivo. Laís descreve uma estrutura radicalmente rígida e verticalizada, baseada em forte dominação psicológica. Para exemplificar, revela que foi afastada de um amigo antigo que vivia sob o mesmo teto – “Disseram: ´Laís, o Gabriel era seu amigo lá em Bauru. Aqui vocês não têm que ficar de conversa. Aqui dentro vocês não são amigos”; Laís revelou ainda o “choque-pesadelo”, prática que consiste em por uma pessoa na sala e “quebrá-la” moralmente, aos berros; a moça narrou ainda que a cúpula controla horários e saídas à rua e que o trabalho é extenuante e sem folga nem aos domingos. São vigiados até bate-papos no Facebook ou Gtalk. Laís está em meio a uma longa viagem pela América Latina, sem data pra voltar. A distância, diz, lhe deu coragem para falar. “Quando postei, tirei toneladas do ombro e comecei a chorar. Tomei coragem para dizer o que muitos têm medo mas que todos sabem que é verdade".
Um dos pontos levantados pelos entrevistados é o uso dos integrantes como uma espécie de isca sexual, o chamado Catar e Cooptar. “Há reuniões na cúpula para definir quem vai dar em cima de você e te fisgar pra dentro da rede”, afirma Laís. O designer Alejandro Vargas, que morou por 3 anos na Casa Fortaleza, dá mais detalhes: “Numa viagem rolou um papo que 'deveria ficar ali', sobre 'fazer a entrega para a rede'. Diziam: 'tem o cara ou menina mais feios, mas que trampam muito' e tem aqueles com 'mais chances de ter relações'. Tem que fazer a entrega para alimentar o estímulo de quem é menos provido de beleza, inclusive de fora da rede, para trazer para dentro”.
Rolim acrescenta: "'Catar e Cooptar' é o termo usado pelo Pablo, com todas as letras e constantemente. Eu mesmo fui proibido por ele de me aproximar de uma pessoa com quem tinha afinidade porque, 'para o processo', eu deveria estar solteiro, eu era uma boa 'isca'. Relações espontâneas entre dois integrantes, por amor, também não são bem vistas. Casais assim são pressionados a desmanchar, e é proibido ter relações com pessoas de fora da rede, a não ser por ordem superior. Capilé nega a prática. “As relações afetivas não são determinadas por regras do movimento, mas construídas por cada indivíduo, a partir dos desejos de cada um.”
O Fora do Eixo nasceu em 2005, e seu nome faz menção ao fato de a iniciativa ter começado em centros distantes de São Paulo e do Rio. Capilé é de Cuiabá. Do Mato Grosso, o coletivo expandiu-se para Uberlândia (MG) e Rio Branco (AC), e dali para outras cidades. A relação com os artistas funciona assim: uma banda iniciante entra na programação de eventos culturais do grupo e faz shows em algumas cidades. Não paga passagem, hospedagem e alimentação (fica nas casas Fora do Eixo). Em contrapartida, não recebe cachê. O dinheiro arrecadado com suas apresentações financia o movimento.
Capilé e seus apoiadores calculam 2000 integrantes, mas o Fora do Eixo se resume a sete casas (São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre, Belém e Porto Velho), onde vivem em média dez ativistas, ou seja, cerca de 70 no total. Há ainda algumas casas de coletivos parceiros, como em Bauru e São Carlos. Quando se soma os agregados, na estimativa mais otimista, a organização tem hoje 200 participantes.
Oficialmente, o financiamento é baseado em shows e editais do governo ou de empresas estatais e privadas. Existe, no entanto, uma terceira fonte significativa: a apropriação de dinheiro e bens particulares de colaboradores. "Solicitaram um cartão de crédito que eu tinha em conjunto com meus pais para comprar passagens. Como a confiança era total, fui induzido a compartilhar a senha. Em um mês e meio gastaram 21 mil reais no meu cartão. Compraram um Macbook Pro novo para o Capilé, o que só soube quando a fatura chegou”, lamenta Rolim.
Vargas acrescenta: “É prática cotidiana a utilização dos cartões de quem mora nas casas. E como não tínhamos salário, logo a dívida do cartão entrou no SPC e na Serasa, e até hoje tenho o nome sujo”. Laís, por sua vez, saiu com uma dívida de 5 mil reais. O FdE nega a prática de apropriação, mas reconhece o uso de dinheiro e automóveis dos integrantes. “A destinação de seus bens para o uso do processo é um ato livre. Se você tem um carro e vem para uma casa, é natural que este carro seja usado. Se você tem um cartão de credito e quer disponibilizá-lo para ações da rede, a mesma coisa”. Na última segunda-feira 12 o coletivo lançou um "portal de transparência", mas não menciona o uso sistemático do dinheiro e bens dos integrantes.
O livro de cabeceira de Capilé é uma pista para entender como ele comanda o grupo. 48 Leis do Poder, lançado em 2000 no Brasil pela editora Rocco, é direcionado a empresários e traz dicas como “faça com que as pessoas venham até você: use uma isca, se necessário” e “faça com que os outros trabalhem para você, mas leve sempre o crédito”. Outra pista, esta fornecida por Laís, é a proibição de se assistir nas casas o vídeo Controle Mental – Como se Tornar um Líder de Culto.
Capilé criou um reino particular a partir de “simulacros” do mundo real. A contabilidade virou “Banco FdE”. Eventos com debates formam uma “Universidade FdE”. Viagens viram “colunas”. O lobby político é o “Partido da Cultura”. E a comunicação tornou-se “Mídia Ninja”.
Aos 34 anos, Capilé dedica-se intensamente ao movimento. Dorme pouco, alimenta-se mal e fuma muito. Viaja tanto que, não raro, cumpre agenda em três cidades em um mesmo dia. Está sempre desconfiado e conectado, e com baterias reservas. E é dono de uma retórica eloquente e messiânica.
Há um claro projeto político, e o coletivo não deixa de exercer sua influência. O Fora do Eixo teve peso na indicação, entre outros, do secretário municipal de cultura de São Paulo, Juca Ferreira, do subsecretário estadual de cultura do Rio Grande do Sul, Jéferson Assumção, do secretário estadual de educação do Acre, Daniel Zen, e de três dos secretários municipais de Porto Velho.
A organização não discrimina espectro ideológico. Sua ampliação em Cuiabá se deu sob as asas do PSDB, quando ganhou verbas públicas na gestão de Wilson Santos na prefeitura. Nas eleições do ano passado, apoiaram o petista Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo e Mauro Nazif, atual prefeito de Porto Velho, do PSB. O senador mais próximo do grupo é Randolfe Rodrigues, do Psol. A respeito, o FdE disse não acreditar em política de governo, mas “em políticas de estado.”
A nova aposta é a Rede de Marina Silva. O coletivo esteve no lançamento da legenda em Brasília, e Torturra afirmou no Roda Viva ser marinista. Caso o partido consiga registro no Tribunal Superior Eleitoral, o plano de Capilé é lançar Torturra candidato a deputado federal pela Rede em 2014. "Ele é o nosso homem com rejeição zero", afirmou o cuiabano em mais de uma ocasião.
A relação do Fora do Eixo com parte da esquerda e dos movimentos sociais tem sido atribulada, desde antes da criação da Mídia Ninja. Alguns grupos fazem duras críticas aos ativistas por despolitizar manifestações, ao trocar causas concretas por slogans genéricos. Entre os grupos que tiveram embates com o Fora do Eixo estão Mães de Maio, o Movimento Passe Livre, o Desentorpecendo a Razão, os moradores da Favela do Moinho e o Cordão da Mentira.
Capilé costuma negar que o coletivo e a Mídia Ninja sejam a mesma coisa, mas quem esteve nas casas reafirma os laços entre os dois. “O projeto nasce e vive no Fora do Eixo, segue a mesma estrutura, tem as mesmas hierarquias e cargos. Mas tem outro nome, para evitar a rejeição que o FdE provoca. Mas quem dá o OK são as mesmas pessoas que dão OK em tudo no Fora do Eixo, e quem vai para rua cobrir são moradores das casas ou colaboradores do FdE”, esclarece Gabriel Zambon, coordenador do Ninja em Belo Horizonte até maio último.
Mesmo antes da recente leva de críticas, estava em curso um esforço para desvincular os dois. Capilé segue, contudo, confiante no poder de sedução de sua retórica e do mundo que criou. E vive a repetir: “para cada um que sai do Fora do Eixo tem dez querendo entrar".

Mais um relato: quais os problemas do Fora do Eixo?


12 de agosto de 2013  
No Fora do Eixo a imagem é mais importante. É mais importante parecer do que ser de fato. Por um Anônimo

Antes de mais nada, preciso avisar que já fiz parte do Fora do Eixo, bem próximo à cúpula. Também aviso que escolhi o anonimato por dois motivos: não dar brechas para o entendimento desse relato como algo ligado a questões pequenas e  pessoais, e também para evitar um pouco possíveis represálias.
Dividirei minha análise em duas partes, externa e interna. A externa referente a como o Fora do Eixo se relaciona com parceiros e mundo exterior, e acho que essa parte é a mais importante, pois espero dar elementos para quem espere se relacionar com o Fora do Eixo. A análise interna se refere a como funciona a rede e, como não sou adepto dos “fins justificam os meios”, essa segunda análise também considero importante para quem não conhece, ou conhece parcialmente, o Fora do Eixo.
Focarei minhas análises em pontos que julgo serem problemáticos, porém entendo que é fundamental fazer alguns poréns. Essa análise não tem como objetivo deslegitimar trabalhos coletivos e que buscam um mundo melhor. Acredito e luto diariamente por um mundo melhor e menos individual. Porém, a mudança tem que ser mudança de fato, e isso não é rápido nem simples. Também não escrevo esse texto para desqualificar todos os membros do Fora do Eixo, visto que é um grupo heterogêneo e que congrega vários tipos de pessoas.
Toda a análise que farei é focada principalmente na cúpula de poder do Fora do Eixo, que era composta por Pablo Capilé, Felipe Altenfelder, Marielle Rodrigues, Carolina Tokuyo e Lenissa Lenza. Ao entorno dessa cúpula existem outros nomes que são coniventes com as ações aqui descrita.
Dito isso, vamos à análise.
I. De dentro para fora
No modo como o Fora do Eixo se relaciona com o mundo exterior, entendo que existem 4 problemas principais, e são eles:
- Dois pesos duas medidas: a relação com os parceiros, sejam eles pessoas ou movimentos, varia muito no Fora do Eixo, e isso leva a diferentes relatos (de amor e ódio). Essa diferença é balizada pelo “poder” e “relevância” do parceiro. Um exemplo prático disso é a diferença em relação ao pagamento de cachês para bandas como Criolo e outras que não são tão relevantes assim. Se você é um artista, ativista, grupo, que tenha grande poder de repercussão, provavelmente será tratado muito bem pelo Fora do Eixo, e todas suas relações serão capitalizadas midiaticamente. Caso você não seja tão conhecido, provavelmente terá um primeiro contato tranquilo, mas caso tenham combinado algo com você existe a grande possibilidade de não cumprirem ou então te enrolarem absurdamente para cumprir. Isso é uma prática cotidiana.
- Está comigo ou está contra mim: a partir do momento que se torna um parceiro do Fora do Eixo, e seja importante, todo seu comportamento midiático (leia-se aqui, o que postar no facebook, quem curtir, o quê compartilhar) será plausível de ser questionado. Muitas vezes será cobrado depoimentos falando da relação com o Fora do Eixo, curtidas em posts, entre outras ações, e possíveis recusas serão entendidas como não comprometimento com a parceria.
- Exploração dos explorados: No meio da vontade de querer ser grande e rápido, o Fora do Eixo acaba tomando atitudes de exploração similares às que combate. Para conseguir parecer grande acaba investindo um recurso que não tem. O Fora do Eixo tem muitas dívidas, e isso é algo comumente praticado. Não acho isso um problema quando falamos de bancos e outros exploradores. O problema é que em muitos casos as dívidas são com pessoas, pequenos comércios e grupos que prestam grandes serviços e nunca veem a cor do dinheiro. Para quem quiser pesquisar mais sobre isso, procurem saber sobre os fornecedores do Congresso Fora do Eixo de 2011, em São Paulo. Muitos trabalharam dias intermináveis e não viram a cor do dinheiro ou, quando viram, foi com meses (e até anos) de atraso.
Referência:
(Busquem falar com fornecedores: Kit Ecológico e Fornecedor EVA, por exemplo.)
- Se envolver dinheiro, esteja preparado para não receber: é recorrente e, se você não for alguém realmente importante, caso negocie receber dinheiro do Fora do Eixo, esteja preparado para não receber ou demorar muito tempo e muito esforço para tal.
- Os números são sempre maiores do que são de verdade: devido à constante vontade de crescer, os números sempre são maiores, muito maiores. 200 coletivos? Provavelmente não devem ter 100 ativos. Não que seja pouco, mas a gana por parecer grande faz eles optarem sempre por inflar os números.
II. De fora para dentro
Já no que tange à organização interna da rede, entendo que os principais problemas, já relatados em maior ou menor intensidade em outros comentários, seriam:
- Falta de transparência (ou transparência é só para os mais fracos): esse provavelmente é um dos pontos mais críticos do Fora do Eixo. Conforme você sobe na pirâmide de poder, mais transparência é cobrada pelos que estão acima de você. Você deve compartilhar tudo que está acontecendo, o que está sentindo, com quem está conversando, tudo. Porém, a prática não funciona no caminho contrário, as decisões de fato e tudo que permeia a alta cúpula ficam limitadas a ela mesmo, inclusive com uma escala de poder interno, onde, imagino, mesmo entre eles não é tudo compartilhado. O topo da pirâmide, Pablo Capilé, não precisa se justificar de nada que faz, como por exemplo quando faz retiradas do caixa coletivo. Outras questões mais sensíveis, com por exemplo pautas de reuniões e suas decisões, também são decididas sem transparência e levada apenas para ratificação pelos que estão abaixo da estrutura de poder (a maioria das vezes quem não está na cúpula não percebe isso).
- Hierarquia: a construção de um movimento coletivo e em rede é algo extremamente difícil. E tem que ser. Diferentes pessoas, diferentes realidades. Um dos principais pontos que é sempre levantado como glória do Fora do Eixo é a organicidade da rede, como todos estão fortemente conectados e as ações são feitas em bloco. Tudo isso só é possível, infelizmente, devido a um esquema fortemente hierarquizado, principalmente quando estamos perto da cúpula. Nenhuma decisão que seja de importância para o Fora do Eixo é tomada sem antes consulta da cúpula, e sem o ok dela. A estrutura é bem truncada e deve ser seguida. Por exemplo, a Laís Bellini era subordinada à Carol Tokuyo; tudo que a Laís fazia devia ser relatado à Carol; se a Carol achasse que era necessário, reportava às suas superioras (Marielle e Lenissa, e possivelmente ao Pablo). Esse ponto da hierarquia abre brechas para situações onde você não pode questionar nada de quem está acima de você, e este tem direitos especiais (como, por exemplo, não precisam cuidar de nada da limpeza da casa coletiva, não precisam cozinhar, não precisam justificar gastos, não precisam planejar e comunicar as ações, entre outros absurdos). Ou seja, a coletividade acaba ocorrendo só nos níveis mais baixos.
- Quanto mais perto da cúpula, menos sentimentos reais: a cúpula do Fora do Eixo é fria. Pode não parecer para muitos (e novamente isso varia de acordo com quem é você e como está sua relação com a rede). No processo de “treinamento” para se tornar membro dessa cúpula existe um forte treinamento para suprir toda a manifestação sentimental. Não se deve exprimir seus sentimentos (principalmente se eles forem tristeza, dúvidas e cansaço). Teve um dia difícil, quer chorar? Vai para o banheiro, chore e limpe o rosto para ninguém perceber. A imagem é mais importante. Esse ponto é tão fortemente pontuado pelas lideranças que, para demonstrar que eles são felizes e pessoas normais, são cobrados a darem testemunhos no facebook, falar da #VIdaFDE e como amam tudo aquilo, postar fotos, etc., etc., etc. Para quem está almejando alcançar mais poder no Fora do Eixo, constantemente terá as lideranças tentando se aproximar, demonstrando afeto e amizade; porém, qualquer coisa que diga ou compartilhe nesses momentos pode ser e será usado contra você em momentos de discordância ou de dúvidas (não há dúvidas em quem está na liderança).
- A imagem é mais importante: já até disse isso no ponto anterior, mas no Fora do Eixo a imagem é mais importante. É mais importante parecer legal, descolado, hype, feliz, revolucionário, do que ser de fato. Isso é algo que não é fácil de perceber, mas, para quem tem acompanhado outros relatos, pode encontrar facilmente. Hoje, boa parte dos esforços da cúpula estão em fazer o Fora do Eixo parecer ser grande e importante. E isso está em tudo. Nas parcerias que faz, nas fotos que tira, no que se posta no facebook. O tempo todo. Todo o tempo. Postando no facebook e cobrando todos os subordinados de postarem e curtirem e compartilharem.
- A velocidade é mais importante: o Fora do Eixo é rápido. E não importa o que custe. Não há espaço para ócio. Não há espaço para dúvidas. Não há espaço para questionar. O importante é ser rápido.
- O caixa é coletivo, mas nem tanto. O caixa coletivo é algo realmente muito interessante que existe em vários coletivos do Fora do Eixo. Porém, quando estamos na cúpula (Casa Fora do Eixo de São Paulo), ele não é tudo aquilo que se esforça para parecer. O dinheiro disponível é só parte do que existe, que é controlado por apenas 1 pessoa. Não são todos que precisam justificar seus gastos, Pablo e Felipe, por exemplo, fazem saques do caixa e não se dão ao trabalho de dizer a ninguém.
- Os fins justificam os meios: isso não é dito no Fora do Eixo, mas é altamente praticado. Vários comportamentos da alta cúpula são justificados dessa maneira. O Pablo não tem tempo de ser legal com todo mundo? Ah, é porque ele tem muitas responsabilidades e não tem tempo para isso. Ah, a Lenissa não entra na divisão de trabalho da casa? Ela já trabalhou bastante no começo, agora precisa fazer coisas mais importantes. E por aí vai.
- Assédio moral: textos como o da Laís apresentam bem esse ponto, só vou pontuá-lo, pois é algo que acontece diariamente. Xingamentos pelo gtalk e até mesmo em público, os chamados “choque pesadelo”, são ferramentas utilizadas comumente na formação dos líderes do Fora do Eixo.
- E a verba pública? Bem, ela existe de fato. Não acho que é um problema sério, visto que é realmente pouco dentro do montante dos esforços e custo do Fora do Eixo. No fundo, a impressão que eu tenho, pelo que vivi e acompanhei de dentro, é que boa parte dos recursos vem de fontes pulverizadas: entrada de eventos, cachês não pagos a artistas (tentem buscar as bandas que tocaram no Cedo e Sentado em São Paulo, e quantos destes receberam. Toda a grana que deveria ter ido para eles foi para o caixa coletivo do Fora do Eixo), ajuda de pais de membros (os pais do Felipe Altenfelder de tempos em tempos faziam contribuições, assim como outras menos diretas como compra de computadores), entre outras. No meio de vários pontos acho que a verba pública não era um grande problema.
Como disse no começo, essa análise é focada na cúpula do Fora do Eixo. Muitos coletivos ligados ao Fora do Eixo desconhecem e não praticam a maior parte desses pontos, porém existe um processo de doutrinamento gradual que ocorre, a medida do tempo que está no Fora do Eixo e sua vontade de ganhar mais “lastro” e poder.
Relato retirado de Fora do Eixo Leaks. As ilustrações que acompanham o artigo foram escolhidas pelo Passa Palavra

Acabou a magia: uma intervenção sobre o Fora do Eixo e a mídia NINJA (1ª parte)


16 de agosto de 2013  
Categoria: Destaques
A devoção transforma-se num regime de exaustão e de submissão, em que o esgotamento físico e mental impedem o ensaio de qualquer auto-organização e de espírito crítico. Por Passa Palavra

Na noite do dia 05 de agosto de 2013, a participação de Pablo Capilé e Bruno Torturra no programa Roda Viva, “idealizadores” da Mídia NINJA (Narrativas Integradas de Jornalismo e Ação), disparou um intenso debate nas redes sociais e demais fóruns da internet. Então veio à tona questões para as quais desde há dois anos o Passa Palavra chamava a atenção: o caráter empresarial do coletivo por trás da Mídia NINJA, o Fora do Eixo, sua relação com os financiamentos públicos e privados, aspectos hierárquicos de seu funcionamento interno e a prática exploratória sobre a produção artística, cultural e simbólica de agentes mais ou menos ligados ao circuito.
1. Velhos truques
A inserção do Fora do Eixo nos movimentos sociais não é um fato novo. Em 2011, sua participação na Marcha da Liberdade gerou também um intenso debate no Passa Palavra sobre os perigos da proximidade entre os chamados novos gestores culturais e os movimentos sociais. Neste sentido, uma nova tentativa de capitalização e difusão de sua marca nas jornadas de lutas contra o aumento das tarifas do transporte coletivo e o que se seguiu nas ruas de todo o Brasil não deveria parecer novidade. A diferença entre a aproximação do FdE na Marcha da Liberdade e nessas últimas manifestações é que, dessa vez, o coletivo-empresa não era desconhecido nos meios militantes e, talvez por isso, não chegou oferecendo sua carta de serviços para compor a organização dos atos, como tentou fazer dois anos atrás. Durante a jornada recente, o FdE procurou se implantar nos movimentos sociais diretamente com sua estrutura, por uma via que não levantasse suspeitas sobre o seu caráter militante.  Como quem não quer nada, os FdE apresentaram-se como algo diferente, como uma equipe de comunicação supostamente independente e, mais importante, aparentemente descolada da marca Fora do Eixo. Isso possibilitaria que a empresa não criasse atritos com os meios militantes autônomos (ou pelo menos mais à esquerda) ao mesmo tempo que angariava jovens ativistas voluntários ao novo empreendimento (afinal, era quase impossível contabilizar o número de pessoas nas manifestações tirando fotos ou filmando os atos com seus celulares).
Um exemplo dessa tentativa de descolamento do FdE foi uma reunião realizada com a Frente de Luta contra o Aumento de Goiânia, em meados de julho, com o objetivo de formar um coletivo Ninja naquela capital. Questionada a esse respeito, Fernanda Costa, que se apresentou como uma “agente da Mídia Ninja”, afirmou vagamente que havia apenas uma “parceria” com o Fora do Eixo, não mais que isso, como tantas outras parcerias realizadas pelo país. Para ilustrar a situação, a representante dos Ninjas chegou a equivaler a “parceria” com o FdE a uma outra supostamente feita com o movimento Mães de Maio, de São Paulo – o que talvez na sua avaliação comprovasse o caráter ativista da empreitada. Hoje é mais do que sabido que a Mídia NINJA não mantém relação com o FdE, simplesmente porque ela é o FdE, um novo ramo de negócio do nosso já conhecido  coletivo-empresa.
A estrutura da Mídia NINJA funciona com um núcleo central em São Paulo, com mais ou menos 8 pessoas, e com um número flutuante de colaboradores em outros estados, principalmente em capitais como Belo Horizonte, Porto Alegre, Belém do Pará, Brasília, Rio de Janeiro e Salvador. Para montar uma nova sucursal dos ninjas, os novos voluntários são instruídos a aderir ao projeto através do preenchimento de um cadastro. Nele, a pessoa indica a sua disposição em ajudar, em qual área ela pretende atuar e o quê ela tem a oferecer em termos de auxílios materiais. Esta seria a forma de financiamento colaborativo apontada por Fernanda Costa. Haveria ainda, segundo a representante, a possibilidade de disponibilização de materiais e instrumentos para a utilização nos núcleos ainda em fase de formação. E aqui entraria a vaga parceria com o FdE, fornecendo parte da estrutura acumulada em seus anos de existência, através da exploração de trabalho não pago de artistas e colaboradores da empresa.

No projeto exposto por Bruno Torturra, na entrevista do Roda Viva, o objetivo do Fora do Eixo com seu braço jornalístico, a Mídia NINJA, seria o de se contrapor aos grandes conglomerados dos meios de comunicação do Brasil. Com a centralização em site único da captação das imagens das sucursais existentes em algumas cidades, o Fora do Eixo poderia controlar o que se vem chamando de “cobertura alternativa” das manifestações organizadas por diversos movimentos sociais. Ainda de acordo com Fernanda Costa, não haveria uma linha editorial a nortear os trabalhos, senão um critério de seleção que seguiria um “padrão estético” e a correção ortográfica, realizada pelas pessoas responsáveis pela página que hoje existe. O funcionamento desta estrutura passaria, desta forma, da produção do conteúdo pelas pessoas dispersas e inseridas nas manifestações para esta equipe central, que cumpriria o papel de selecioná-los e corrigi-los.
Em reportagem veiculada por O Globo é relatado um debate ocorrido no Rio de Janeiro sobre a tentativa de se buscar recursos públicos para o financiamento do site da Mídia NINJA a partir de editais públicos da cultura. Apesar de esta ser uma das práticas comuns de captação financeira do Fora do Eixo, a reportagem evidencia a existência de uma polêmica sobre a aceitação ou não deste tipo de financiamento entre os membros do coletivo. Frente à desconfiança em se aceitar este tipo de recurso para a estruturação do projeto, Pablo Capilé afirmou não ver problema nesta prática, argumentando ainda que “Só no Rio, já existem 200 grupos que gostariam de ter mais estrutura. Sem recursos, dificilmente conseguiremos dar a eles mais suporte. Temos que disputar políticas públicas, como faz a grande imprensa, que cria formas de receber esse dinheiro”.
Fazer como a grande imprensa na captação de financiamento público é o que propõe Capilé para que o Fora do Eixo e a Mídia NINJA possa conseguir dar “suporte” aos grupos interessados na nova prática midiática. Mas será que a semelhança entre o Fora do Eixo e as demais corporações de comunicação brasileira ocorre apenas no âmbito da captação dos recursos? Ou a semelhança vai além desta disputa financeira, se revelando também na organização interna do Fora do Eixo?
2. A empresa Fora do Eixo e o “núcleo durável”
A já famosa entrevista dos dois ninjas ao Roda Viva acabou sendo também um tiro pela culatra. Apesar da primeira onda de comentários ter sido caracterizada por uma grande quantidade de elogios que surgiram nos meios virtuais sobre o embate com os representantes da mídia corporativa e como os ninjas conseguiram quebrar os argumentos dos velhos jornalistas, começaram a aparecer, logo em seguida, relatos de experiências concretas de artistas e colaboradores internos do Fora do Eixo, os quais contradizem frontalmente o argumento de uma organização horizontal e participativa.
No primeiro relato, que alçou notoriedade no Facebook, Beatriz Seigner expôs como o Fora do Eixo utilizou de sua produção artística para conseguir financiamento público e organizar eventos com a distribuição de seu filme.
Em seguida, Lais Bellini narrou detalhadamente as relações de trabalho que vigoram na Casa Fora do Eixo em São Paulo, quartel general da empresa, confirmando aspectos que o Passa Palavra já havia desenvolvido aqui. Primeiramente, as noções de horizontalidade, participação igualitária e existência comunitária – sempre aludidas pelas grandes figuras e demais intelectuais ligadas à empresa – caem por terra quando a ex-integrante relata a existência de um “núcleo duro” que controla a organização interna dos espaços e das pessoas que lá laboram. Ainda segundo Laís Bellini, o núcleo duro “é o grupo que está mais envolvido com a rede, dentro de um ponto (numa cidade) da rede e, por conseqüência, tem mais poder de fala, mais poder de decisão, mais poder, enfim, ou melhor, como eles dizem mais ‘lastro’”. Para ela o “lastro” é a mesma coisa e carrega o mesmo sentido da “prepotência que [se] assiste nos poderes públicos do país. Lastro é sim poder” dentro da organização Fora do Eixo. E ela exemplifica como o “lastro” garante o exercício do poder aos mais experientes da empresa e que estão há mais tempo construindo-a.
Você vive dentro da Casa Fora do Eixo São Paulo e isso é a sua vida. Se você quer visitar seus pais no interior… olha sinceramente, que você tenha um bom motivo… e que não venha “pedir” 2 meses seguidos. Sim, porque ali o verbo era esse. “Posso ir visitar minha mãe essa semana?”, coisas do tipo. Tá afim de encontrar uma pessoa que não faz parte da rede?! Vai inventar a maior mentira pra conseguir sair dali uma noite se quer[sic], e no dia seguinte se demorar pra voltar, não tem cara bonita te dizendo bom não. Ali, é cobrança 24h por dia. Agora, ai de você perguntar porque o Pablo tá saindo. Porque a Lenissa vai passar 3 dias fora. Você não tem que perguntar. Ela vai sair, vai usar o dinheiro do caixa coletivo, não vai pedir a ninguém o quanto vai usar. Mas claro, veja bem, ela tem “mais lastro que você”. O Pablo resolveu dormir até mais tarde e perdeu o vôo. Não importa, ele nem se deu a obrigação de cancelar o vôo. “Você vai ligar lá Laís, vai dar um jeito de trocar a passagem.” “Mas já passou a hora do checkin” “não importa, troca, ou compra outra, tem que comprar outra, rápido Laís, já resolveu (o gtalk bombando!!!) vai Laís, vai logo, menina, tá lerda hoje, você é lerda mesmo né, parece retardada”. Sim, você fica na função de comprar 70 passagens aéreas e não para durante 4 dias fazendo todas as cotações possíveis e impossíveis. Ai de você comprar um horário que seja errado. Ligue para ela, pergunte que horas ela vai chegar. Tem que ter um vôo pra ela. Laís, você é retardada, NÃO TÁ OUVINDO O QUE EU TO FALANDO?”
O relato não deixa dúvidas de que aquilo que é chamado de “lastro” consiste em um mecanismo de legitimidade que garante aos mais bem posicionados na hierarquia da empresa o controle sobre o tempo de trabalho alheio. Mostra os maiores gestores da Fora do Eixo, Pablo Capilé e Lenissa Lenza, exercendo sua função de comando no caso das compras de passagens. A cobrança intensa do resultado do trabalho e a pressão psicológica para que a trabalhadora cumpra com sua tarefa no prazo estipulado pelos que têm mais “lastro” dentro da organização demonstra uma situação que não difere em quase nada das relações sociais de produção existentes em qualquer empresa capitalista, em que há atribuições hierárquicas de decisões a serem executadas por trabalhadores que não têm “lastro”. O fato de Capilé ou Lenissa não se reportarem aos demais sobre os motivos de saída da Casa Fora do Eixo mostra o grau de controle que detêm sobre seu próprio tempo de permanência no local de trabalho, controlando sua jornada de trabalho e decidindo sobre a saída ou não dos demais moradores.
A entrega à construção do mundo alternativo propalado pelos líderes do Fora do Eixo leva os moradores da Casa a terem uma jornada de trabalho que lhes ocupa todo o tempo da vida, com o agravante de mesmo o tempo de descanso ser realizado dentro da própria empresa.
Curiosamente, são estas relações laborais que uma das ideólogas de plantão do Fora do Eixo, Ivana Bentes, classifica como “um dos mais potentes laboratórios de experimentações das novas dinâmicas do trabalho e das subjetividades. Que tem como base: autonomia, liberdade e um novo ‘comunismo’ (construção de Comum, comunidade, caixas coletivos, moedas coletivas, redes integradas, economia viva e mercados solidários)” (ver aqui).
O “salto” de organização em relação às empresas tradicionais, se é que assim pode ser considerado, reside no fato de o núcleo duro passar a dispor de larga margem de controle inclusive sobre as relações interpessoais dos moradores, indicando-lhes os limites das relações afetivas e quais as pessoas com quem podem ou não se relacionar. Ao mesmo tempo que se endurece o caráter totalitário das relações trabalhistas internas ao FdE, para fora, sua rede de parceiros jogam com a imagem da felicidade plena no local de trabalho; no melhor estilo da propaganda do regime stalinista.
Ainda a respeito da organização interna do Fora do Eixo é importante destacar como o argumento do “lastro” esconde o óbvio: sempre será Capilé e os que iniciaram a empresa em Cuiabá quem terá maior lastro, afinal, possuem dedicação integral há muito mais tempo, pois foram eles os próprios fundadores. A ascensão interna possui uma barreira hierárquica intransponível, consolidando assim uma cúpula dirigente cristalizada. Não houve até o momento um relato sequer que dissesse o contrário a respeito da hierarquia interna.
Se a crítica libertária do último século não poupou linhas a respeito dos partidos leninistas, já não é aqui o que se está analisando e engana-se quem o faz. Num típico partido leninista há, por assim dizer, momentos de democracia interna, seguidos por decisão e definição de linhas, o que se denominou centralismo-democrático. No caso do Fora do Eixo, o mecanismo do “lastro” impede justamente o aparecimento do “democrático”: há apenas o centralismo irradiado por seu “núcleo durável”.
Por regra, onde há política, há oposição. Um caso extremo são os partidos trotskistas, em que há forte rigidez doutrinária e ideológica, e onde os rachas e fragmentações são recorrentes. Como se explica o fato de uma Casa Fora do Eixo não se opor à outra ou, ainda, não haver disputas internas acirradas? É certo que a ideologia deles é muitíssimo fraca, baseada em ideólogos como Claudio Prado e Ivana Bentes, que há pouco tempo atrás falavam em “pós-rancor”. Porém, não estamos mais discutindo a partir de regimes internos democráticos, onde é um expediente recorrente os expurgos de dissidentes.
Conforme você sobe na pirâmide de poder, mais transparência é cobrada pelos que estão acima de você. Você deve compartilhar tudo que está acontecendo, o que está sentindo, com quem está conversando, tudo. Porém a prática não funciona no caminho contrário, as decisões de fato, e tudo que permeia a alta cúpula fica limitada a ela mesmo, inclusive com uma escala de poder interno, onde imagino, mesmo entre eles não é tudo compartilhado.
A transparência de sentido único entre os “de baixo” para com os “de cima” reforça o caráter autoritário da organização. Através do slogan “trabalho é vida”, o Fora do Eixo consegue tecer elementos da sua ideologia com outras dimensões da vida fazendo disso uma “experiência”. O resultado é achatar todas as dimensões da vida numa só: a própria empresa Fora do Eixo.
A devoção transforma-se num regime de exaustão e de submissão, com longas jornadas de trabalho, em que o esgotamento físico e mental impedem o ensaio de qualquer auto-organização e de espírito crítico. Se no interior da empresa Fora do Eixo a coletividade “só funciona nos níveis mais baixos”, isso permite uma situação em que a cúpula sempre terá mais tempo e dedicação para pensar e planejar enquanto para os outros as tarefas não terminam. Dessa forma, “os de cima” sempre apresentarão e terão domínio de melhores propostas, suscitando nos “de baixo” um sentimento individual de satisfação e orgulho em trabalhar para pessoas “tão inteligentes”, convertendo a cúpula em líderes “naturais”. Na verdade, trata-se tão somente da posição central ocupada pelos “lastreados” na estrutura de poder e no fluxo informacional. É assim que se nasce e forma um líder e também uma base de seguidores fanáticos.
Será o leitor tão desatento que não percebe aonde queremos chegar?
3. O Banco Fora do Eixo e a transformação da mais-valia em crédito
A captação de recursos públicos através de editais, a captação financeira proveniente de patrocínios, o recebimento de bilheterias, as vendas de bebidas e outros rendimentos provenientes em reais possibilitam ao Fora do Eixo sustentar uma rede financeira que integra as diversas unidades da empresa. O instrumento desta integração financeira é uma moeda própria, o Fora do Eixo Card. O objetivo da moeda seria o de possibilitar “a sistematização do capital intangível praticado em processos econômicos envolvendo entre vários produtores, gestores e artistas culturais, valorizando o seu próprio trabalho e promovendo o estímulo desses agentes em prol de projetos autorais que desenvolveram cenários culturais locais.” (Diário Oficial FdE) Como um dos “simulacros das frentes mediadoras responsável pela criação e fomento de alternativas que gerem o desenvolvimento sustentável da rede”, o Banco Fora do Eixo garantiria as transações financeiras entre as diversas unidades e o financiamento dos eventos e atividades da empresa, ou seja, ele apenas unifica um sistema econômico que transforma a mais-valia em crédito. O lastro monetário em reais serviria de base para a conversão em cards, o que garantiria a circulação do numerário para o financiamento das várias unidades, além do eventual pagamento de artistas e demais produtores dos eventos do Fora do Eixo.
Esta proposta em nada diferenciaria o Banco Fora do Eixo da atuação realizada pelas instituições financeiras dos Estados nacionais. Levando em consideração ainda que as grandes corporações transnacionais passaram a ocupar funções e espaços dos Estados nacionais, como a constituição de instituições financeiras, educacionais, jornalísticas e políticas com dinâmicas internas próprias, levantamos a questão: em linhas gerais, em que o Fora do Eixo se diferencia de uma corporação capitalista? E há ainda aqueles que conseguem vislumbrar e conceituar essas mesmas relações descritas como “pós-capitalismo”…
4. Mágica e ética: uma discussão não religiosa, mas sobretudo econômica
Ainda no programa do Roda Viva, Pablo Capilé mais uma vez comentou que o Fora do Eixo transformava “um real em 15” [reais] através do seu caixa coletivo e da sua inovação da gestão organizacional e econômica. Como quem apresenta seu projeto a um possível patrocinador, Capilé tomou como exemplo a casa Fora do Eixo em São Paulo. Explicou que lá moram 30 pessoas e que cada uma custa cerca de R$ 900 reais por mês, e continuou, revelando que cada uma delas, prestando consultoria para 300 festivais no período, produziria R$ 150 mil. Ora, não existem mágicas de valorização num câmbio fixo com paridade entre real e cards. A mágica que aqui faz R$1 (investido) multiplicar-se em muitos outros não é outra coisa senão o esforço combinado de trabalhos braçais, cognitivos ou simbólicos não-pagos, ou sub-remunerados, pelo circuito: chama-se mais-valia – processo que também já fora demonstrado nessas séries de artigos (aqui e aqui).
Como exemplo de “socialismo imanente” apresentam o fato de morarem em beliches e compartilharem um armário coletivo – e até as próprias roupas de baixo -, mas ora, essa é a consolidação do mais puro tipo ideal weberiano do capitalista, definido num clássico da literatura sociológica, A ética protestante e o espírito do capitalismo. Ao acumular ao máximo as riquezas do trabalho, investe-se tudo em mais capacidade para expandir a própria estrutura e gerar mais capital num movimento circular. O “caixa coletivo” é, na verdade, a reafirmação deste tipo ideal, uma vez que se trata de uma racionalização dos gastos com produtos não ligados à reprodução do ciclo da mais-valia. E, em parte, a carência material é suprida pela apropriação e gestão dos pertences pessoais dos membros. Como já apontamos, engana-se redondamente quem acha que o bom capitalista é aquele que destina o seu rendimento em consumo de supérfluos ou mercadorias de mera ostentação.
Os que afirmam tratar-se de uma experiência pós-capitalista deveriam debruçar-se mais sobre as formas de enriquecimentos pré-capitalistas. Nomeadamente a Igreja Católica que, através da doação voluntária de bens materiais e da crença no “trabalho é vida” de monges e frades, conseguiu acumulações de capital colossais nos conventos e mosteiros, bem como nos cabidos das sés, transformando-os em grandes proprietários. Foi através da dedicação daqueles que acreditavam no projeto que o Vaticano conseguiu ser o que é hoje nos planos empresarial e financeiro, algo que em tempos de rancor chamávamos de acumulação primitiva de capital.
Com a primeira parte deste artigo chamamos a atenção para o que escrevemos há dois anos, quando insistimos no caráter empresarial do Fora do Eixo, perante muitos leitores céticos ou mesmo indignados conosco. Hoje esse caráter empresarial está latente aos olhos de todos e só não o vê quem precisa não o ver. Mas não nos limitamos a reafirmar o que já havíamos escrito, porque pretendemos aprofundar a análise. Tentamos mostrar que o Fora do Eixo conjuga uma vertente econômica tradicional, com mais duas vertentes: uma vertente gângster, ou seja, uma economia do submundo, onde as pressões físicas e psicológicas se somam às fraudes e aos calotes; e uma vertente que imita as técnicas religiosas de acumulação do capital, em que os crentes — que no caso do Fora do Eixo se intitulam “membros” — são confinados em espaços clausurados e em que todos dão o que têm para um patrimônio comum, queremos dizer, em que a doação é comum, mas o patrimônio é aproveitado por poucos, pelos detentores de “lastro”. É com base nessas três vertentes econômicas que se lança a Mídia NINJA, objeto do nosso próximo artigo.

Artistas divergem sobre a rede Fora do Eixo


Criada para promover e escoar produtos culturais, entidade está ‘na berlinda’ em Manaus
Criada para promover e escoar produtos culturais, entidade está ‘na berlinda’ em Manaus
 
Embora as opiniões contrárias sobre a atividade da rede de coletivos Fora do Eixo (FdE) existam há mais tempo, nada até agora foi comparado à última semana, quando depoimentos em redes sociais que acusam a entidade de não repassar remuneração aos artistas que abraça, que chegam a travar batalhas de argumentações entre uma legião de defensores e outros tantos devotos ao ataque.

A rede FdE, que no Amazonas tem como representação o chamado Coletivo Difusão, traz o preceito ‘comunitarista’ de que os artistas envolvidos podem ajudar e serem ajudados para a execução, promoção e escoamento de suas produções, em qualquer segmento de arte.

Sobre as acusações de que festivais e mostras diversas pelo país favorecem apenas àqueles que estiverem declaradamente envolvidos no ‘sistema’, um dos mais engajados no Difusão, Caio Mota, refuta.

“Podemos interpretar como um caldeirão sem tampa, aberto para quem queira entrar e aberto para quem queira sair. Todas as nossas ações são abertas. A Rede Brasil de Festivais não é apenas de festivais do FdE, as ações do Ninja não são realizadas apenas por pessoas do FdE, a Semana do Audiovisual idem”, diz.

O músico Mencius Melo, vocalista da banda Zona Tribal, discorda e reforça que é contra ao caráter ‘ou está ou não está comigo’, que a rede parece impor.
 
“Que o FdE tenha seus métodos e discurso hippie libertário é garantido pela democracia, mas o que eles não podem é usar a estrutura do Estado para dizer quem pode ou não participar. Ao forçar, por exemplo, que todas as bandas estejam na plataforma TnB (Toque no Brasil) para poder ter direito de participar, a meu ver, é aparelhar o evento e isso eu não posso aceitar”, disse.

Com uma única participação em evento assinado pela rede, o guitarrista e vocalista da banda Espantalho, Marcos Terra Nova, também coleciona ressalvas.
 
“Acho que por trás da retórica do bem comum e trabalho coletivo há um pouco de confusão ideológica camuflada de boas intenções de muitos de seus associados. Como artista, vejo como equivocados e com bastante preocupação alguns direcionamentos políticos e a apropriação política e simbólica do termo independente (dentro das produções nascidas no FdE, valoriza-se todos como autores, não apenas um)”, disse.

Carta Capital produz reportagem sobre Fora do Eixo e tema volta às redes sociais

 
 
16/08/2013 5:03 pm


O jornalista Lino Bocchini, que assina a matéria, não menciona que já trabalhou com o coletivo e se torna centro da polêmica
Por Redação
Capilé reunido com Lino Bocchini e Ale Youssef (Foto: Divulgação)
Lino Bocchini, gerente de mídias on line da Carta Capital, publicou uma matéria, nesta sexta-feira (16) no site da revista sobre as denúncias feitas contra o coletivo Fora do Eixo (FdE). No texto, que está também na edição impressa do periódico, ex-integrantes do coletivo reafirmam acusações contra Pablo Capilé, o jornalista Bruno Torturra e a estrutura do movimento.
A reportagem de publicação afirma que escutou oito ex-integrantes do FdE e recolheu denúncias, algumas já exploradas na mídia e nas redes sociais, como o depoimento da jornalista Laís Bellini e o da cineasta Beatriz Seigner.
A principal novidade é a declaração do fotógrafo Rafael Rolim, dizendo que o FdE teria gasto R$ 21 mil em seu cartão de crédito pessoal durante um mês e meio, tendo comprado neste cartão, entre outras coisas, um Macbook Pro para Capilé. Além dele, o designer Alejandro Vargas, que morou três anos na casa da FdE de Fortaleza, confirma a prática de uso de dinheiro pessoal e de cartões de crédito dos integrantes.
“Isso não é jornalismo”
Em nota no Facebook, o grupo FdE afirma que a matéria é “oportunista” e que Lino Bocchini “está implicado na questão”, já que o jornalista sempre manteve estreita relação com o coletivo. Bocchini comandou o “Desculpe a Nossa Falha”, programa que integrava a grade do “Pós TV”, canal do FdE na internet. O título advém de um blogue que era mantido pelo jornalista que ironizava o jornal Folha de S. Paulo.
“Por mais de um ano, Lino havia sido um dos mais assíduos, presentes e cruciais envolvidos na criação e desenvolvimento da Pós-TV e no laboratório do próprio Ninja”, afirma o FdE em sua página no Facebook. O coletivo afirma que o rompimento entre o jornalista e a rede ocorreu após a demissão de Bocchini como redator chefe da revista Trip, quando “havia uma possibilidade para um maior envolvimento e dedicação” ao projeto, então embrionário, do Mídia Ninja. “A chamada de capa já aponta seu caráter tendencioso. Entendemos que é anti ético apurar, visando traçar o perfil de uma rede com milhares de membros ativos, partindo apenas de depoimentos de pessoas que saíram da rede, com um foco claro em suas insatisfações. O texto colhe exceções e tenta forjar uma regra.”
No texto, Bruno Torturra é colocado como possível candidato do novo partido de Marina Silva, a Rede Sustentável, ao cargo de deputado federal em 2014. Segundo a matéria, Capilé seria o grande idealizador da candidatura. “Ele é o nosso homem rejeição zero”, teria dito o fundador do FdE. O jornalista negou, através do Facebook, qualquer ambição política. “Não. Não sou candidato. Nem serei. Mesmo”, afirma Torturra.
O fato de não conter, no texto, o posicionamento do FdE sobre as denúncias, fez com que Torturra criticasse Bocchini. “O repórter nunca me telefonou, apesar de ser meu amigo, para checar, me escutar, me perguntar sobre as graves acusações que me faz pessoalmente. Isso não é jornalismo.”
Repercussão
O jornalista Pedro Alexandre Sanches, colaborador da Fórum e do blog Farofafá, que recentemente foi levado à Carta Capital por Bocchini, criticou a postura do gerente de mídias on line da revista. “Acho que você erra redondamente, @linobocchini, em não se expor na reportagem como um ex-fora-do-eixo.”
A blogueira do Socialista Morena, cujo site também está na Carta Capital, Cynara Menezes classificou como “bizarro, para dizer o mínimo, o que contam @linobocchini e @pierobl sobre o fora do eixo”. O jornalista Ronaldo Bressane afirmou que é “curioso” o fato de Lino Bocchini, “que foi próximo do FdE e dos ninjas, ñ informar isso ao leitor. Se ñ problema ético, é falha de caráter.” Em seu perfil no Twitter, o rapper Emicida também se manifestou. “Se vc quando fala sobre música independente no Brasil, não consegue ver nada além de bandas de rock/FdE/editais, vc é café c/ leite na rua.”
Em nota, a revista CartaCapital “reafirma sua total confiança nos profissionais envolvidos e no conteúdo da reportagem” e criticou o FdE. “Como linha auxiliar de defesa, o Fora do Eixo pôs seus integrantes para difamar a publicação e seu jornalista, citando inclusive sua família. Esse tipo de reação lembra práticas da direita autoritária e não condiz com uma organização que se diz livre e democrática.”
Senador tucano quer explicações sobre verbas
Aloysio Nunes, senador do PSDB, protocolou três requerimentos, no Ministério da Cultura, da Fazenda e de Minas e Energia. O parlamentar quer saber quais os critérios utilizados para a liberação de verbas com fins de financiar projetos do Fora do Eixo. Caso a Mesa Diretora do Senado aprove os documentos, as autoridades terão 30 dias para apresentar as respostas.
TV Fórum
A revista Fórum fez durante mais de um ano o programa TV Fórum na grade da Pós TV. Do ponto de vista editorial nossos contatos eram Filipe Peçanha, o Carioca, e Lino Bocchini. “Durante o período em que Lino esteve à frente da Pós TV nunca me disse nada do que foi publicado na Carta Capital. Em relação ao tamanho do Fora do Eixo, ele sempre apresentou números idênticos ao de Capilé. Falava-me de uma rede grande, com aproximadamente 2 mil integrantes”, relata o editor da Fórum, Renato Rovai. “Soube por ele do rompimento com o grupo e me solidarizei. Acho, inclusive, que ele não foi tratado de forma correta naquele episódio. O que me preocupa é que a matéria parece estar bastante intoxicada por esta mágoa. E quando isso acontece, perdemos todos”.