quarta-feira, 31 de julho de 2013

Número de vagas no SUS cai 33% no RS para população 15% maior


31/07/2013 21h21 - Atualizado em 31/07/2013 22h00

Equação é apontada com uma das causas para o atual caos na saúde.
Estado é o campeão no país no nº de ações na Justiça sobre saúde.

Do G1 RS
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Pesadelo na Saúde Série RBS Notícias (Foto: Editoria de Arte/RBS TV)
Mais gente, menos vagas hospitalares. Essa equação ajuda a explicar o atual quadro da saúde pública no Rio Grande do Sul. Enquanto a população do estado cresceu cerca de 15% nas duas últimas décadas, o número de leitos em hospitais diminuiu em uma taxa duas vezes maior.
A conta que não fecha ajuda a explicar porque o estado é o campeão no país no número de ações na Justiça relacionados ao direito à saúde. Muitas vezes, no entanto, não mesmo as decisões judiciais são garantias de atendimento, como mostra a terceira reportagem da série Pesadelo na Saúde, do RBS Notícias (veja o vídeo).
De 1993 a 2012, a população do Rio Grande do Sul saltou de cerca de 9,3 milhões de habitantes para 10,7 milhões de habitantes, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um crescimento de 14,9%.
No mesmo período, os leitos disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS) diminuíram 33,9%. Foram de 35.061 em 1993 para 10.770 em 2012, de acordo com os dados do Datasus, do Ministério da Saúde.
Os medicamentos lideram as ações judiciais na esfera da saúde. Mas os pedidos de internação hospitalar também estão entre as principais demandas da população. “Nesse aspecto da internação, a demanda é muito reprimida. É uma situação estrutural nossa, que temos poucos hospitais”, diz o juiz Martin Schulze, coordenador do Comitê Estadual de Saúde.
Nos últimos 15 anos, oito hospitais fecharam no Rio Grande do Sul e só dois reabriram com plena capacidade: o Hospital Universitário, em Canoas, e o Hospital Independência, em Porto Alegre. Por conta disso há tantos processos na Justiça, diz o magistrado.
“Só em Porto Alegre, na vara especializada de saúde, são em torno de 5 mil a 6 mil ações. No estado todo – o Rio Grande do Sul é campeão de demanda nessa situação –, nós temos em torno de 120 mil ações”, revela o juiz Martin Schulze.
O secretário estadual da Saúde, Ciro Simoni, afirma que a rede pública está sendo ampliada, mas admite o déficit. “Eu tenho consciência de que se precisa fazer mais, só que não se consegue fazer de um dia para o outro. Nós temos em UTIs um aumento de 110 leitos. Nós estamos agora, em andamento, com a implantação de mais 120 leitos de UTIs neonatal e pediátrica no estado”, diz o secretário.
O número reduzido de leitos de alta complexidade para recém-nascidos é uma das principais reclamações da população. “O Estado diz que não falta UTI neonatal, mas onde é que estão essas UTI neonatal quando a gente precisa?”, questiona o auxiliar de elétrica Jeferson José Leste.
O desabafo é de um pai que, mesmo pagando pelo parto, não chegou a pegar o filho nos braços. “A gente vendeu a minha moto, a moto que a gente tinha, para ter dinheiro para o parto”, conta a mulher de Jeferson, a comerciante Adriana Leste.
O filho do casal, Bernardo, nasceu em Campo Bom, no Vale do Sinos, às 15h30 de uma sexta-feira, pesando três quilos e 895 gramas. Segundo a família, os médicos informaram que o bebe nasceu “perfeito” e que só precisava ficar na incubadora por um pouquinho.
Mas foram 32 horas de incubadora, sem que o casal soubesse da gravidade do estado de saúde do bebê. “Daí ela (a médica) me chamou numa sala e disse: ‘Ó, a situação do Bernardo é grave, ele tem que ser transferido pra uma UTI neonatal, qualquer UTI neonatal no estado’”, conta Jeferson.
Mesmo sem entender o porquê da piora, os pais começaram a busca por um leito. No plantão judicial, conseguiram uma liminar, mas não havia onde internar a criança. A vaga no hospital de Novo Hamburgo surgiu apenas 12 horas depois. “No momento que a ambulância estacionou na frente do hospital, às 14h45, ele teve uma parada e não voltou mais”, conta o pai.
Inconformados, eles entraram na Justiça contra o Estado, o município e o hospital, em um caso que ainda não foi a julgamento. “O que faz a gente levantar da cama todo dia é o sentimento de justiça, de buscar, de apurar o que aconteceu realmente. De repente, o dia que eu souber do que ele morreu mesmo, vai passar um pouco essa dor que eu tenho”, diz Adriana.
Dor e sentimento de injustiça também sentidos por outra família do Vale do Rio Pardo. “Se levar dois, três, 10 anos, um resultado vai ter que ter. Porque é impossível não ter justiça pra isso”, desabafa o agricultor Moacir Padilha, irmão de Júlio César. “A gente sente um vazio”, acrescenta a mãe, Senilda Padilha.
As lágrimas da mãe já duram um ano e quatro meses. O filho, Júlio César, de 23 anos, sofreu um acidente de moto em Herveiras, no dia 25 de março. Numa ambulância do município, o rapaz foi levado para um hospital de Santa Cruz do Sul, onde não teria recebido atendimento porque a ambulância não eram da cidade.
O médico e o enfermeiro de plantão chegaram a ser presos, mas já estão em liberdade. O caso, mostrado há dois anos na primeira série de reportagens sobre o caos na saúde, ainda não foi julgado. “Houve a investigação por parte da Polícia Civil que concluiu que tanto o médico quanto o enfermeiro teriam dado causa a essa morte”, diz o promotor Flávio de Lima Passos.
Os dois foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio culposo – quando não há intenção de matar. O drama da família Padilha continua, mas o sistema de saúde de Santa Cruz do Sul mudou.
“Nós tínhamos, no próprio contrato do município de Santa Cruz do Sul, que o atendimento só seria prestado aos munícipes de Santa Cruz do Sul, em termos de Pronto Atendimento. Isso é um absurdo. Felizmente, por uma recomendação do Ministério Público houve uma alteração”, conta a também promotora Nádia Baron Ricachenevsky.
Enquanto os casos não têm solução, pais e mães órfãos de seus próprios filhos tentam seguir a vida. “A espera é angustiante, mas a vida continua. Não adianta”, afirma Senilda. “Nada é comparado a dor de perder um filho, de esperar tanto e depois ter esse final”, lamenta Adriana. “Do jeito que eles conduziram nosso caso, foi um descaso”, conclui Jeferson.

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