Brasil perdoa dívida bilionária e beneficia ditadores corruptos
Presidentes de países africanos que tiveram débitos anistiados por
Governo Federal são investigados por desvio de dinheiro público.
Responsáveis
por mais da metade da dívida de R$ 1,9 bilhão de países africanos com o
Brasil — 80% da qual o governo Dilma decidiu perdoar —, os ditadores de
Congo-Brazzaville, Gabão, Guiné Equatorial e Sudão são investigados na
Europa e nos Estados Unidos por desviarem milhões de dólares de dinheiro
público para enriquecimento pessoal, revela José Casado. O perdão, que
precisa de aprovação do Senado — já concedida no caso do Congo—, custará
R$ 8 a cada brasileiro.
Ditadores perdoados
Brasil beneficia governantes africanos investigados por corrupção ao anistiar 80% de dívida bilionária
Cada brasileiro será obrigado a doar R$ 8 para a África. É quanto vai
custar a decisão da presidente Dilma Rousseff de perdoar 80% da dívida
acumulada por uma dúzia de países africanos com o Brasil.
Eles
compraram R$ 1,9 bilhão em produtos e serviços no mercado nacional nas
últimas três décadas. Não pagaram. Agora, os prejuízos serão
socializados entre 190 milhões de brasileiros.
Juntos, têm uma
população equivalente à do Brasil. A maioria sobrevive com menos de R$ 3
por dia, em regiões onde a expectativa de vida não chega a 65 anos e a
mortalidade infantil é três vezes maior que nas áreas mais pobres do
Nordeste brasileiro.
Quatro países concentram mais da metade
dessa dívida africana com o Brasil: Congo-Brazzaville, Sudão, Gabão e
Guiné Equatorial. São nações cuja riqueza em petróleo e gás contrasta
com a pobreza extrema em que vive a maior parte dos seus 41 milhões de
habitantes, governados por ditadores cleptocratas.
Os
presidentes do Congo-Brazzaville, Sudão, Gabão e Guiné Equatorial,
alguns de seus familiares e principais assessores enfrentam processos em
diferentes tribunais da Europa e dos Estados Unidos. Entre as múltiplas
acusações, destacam-se roubo e desvio de dinheiro público,
enriquecimento ilícito, corrupção, lavagem de dinheiro e até genocídio.
Essa é a história de como eles conseguiram entrar no clube dos mais ricos do planeta.
Na tarde de quarta-feira 22 de maio, a presidente Dilma Rousseff pediu
ao Senado autorização para renegociar a dívida de R$ 793,3 milhões (US$
352,6 milhões) que o Congo-Brazzaville mantém com o Brasil desde os anos
1970. Na mensagem aos senadores, ela informou o perdão de 79% da
dívida, o equivalente a R$ 630 milhões (US$ 280 milhões).
Na
mesma semana, em Paris, peritos analisavam documentos apreendidos num
armazém instalado na vizinhança do aeroporto de Orly, a 40 minutos da
Torre Eiffel, em Paris.
O galpão pertencia à Franck Export,
transportadora de mercadorias na rota França-África. Quando chegaram, os
investigadores franceses exibiram um mandado expedido pelos juízes
parisienses Roger Le Loire e René Grouman. Ao sair, levaram os registros
contábeis da empresa.
Há quinze dias, enquanto o Senado
brasileiro aprovava sem debater o milionário perdão da dívida do Congo, a
polícia francesa confirmou as suspeitas: a coleção de documentos
apreendidos comprova transferências de recursos do Departamento do
Tesouro do Congo diretamente para o caixa da Franck Export.
Os
registros contábeis contavam uma história na qual o dinheiro saía de
Brazzaville por canais oficiais, fazia uma escala nas contas da
transportadora privada e em seguida desaparecia, pulverizado entre
dezenas de contas bancárias na França mantidas pela família do
presidente congolês Denis Sassou Nguesso.
Rotina de exorbitâncias
Aos 70 anos, Nguesso é um dos mais longevos líderes africanos no poder.
Nasceu pobre na tribo Mbochi, no norte do país, e inaugurou a década de
60 ganhando a vida como soldado. Graduou-se como paraquedista a serviço
da França durante a sangrenta repressão à guerrilha pela independência
da Argélia. Em 1968, liderou os quartéis de Brazzaville no levante que
levou o Partido dos Trabalhadores ao governo do Congo. No golpe
seguinte, em 1979, assumiu o comando do país. Desde então, enriqueceu.
Cravado no coração da África Central, o Congo tem o tamanho de Goiás,
renda per capita (US$ 2,7 mil) semelhante à do Paraguai e uma população
de quatro milhões de pessoas, com expectativa de vida de 57 anos. É
referência no mapa africano de produção de petróleo, porque detém a
quarta maior produção do continente (300 mil barris/dia). Tem relevo,
também, na rota dos diamantes sem certificação de origem, conhecidos
como diamantes de sangue - moeda corrente no sistema de lavagem de
lucros do submundo de armas e drogas.
Nguesso está no centro da
política no Congo-Brazzaville há 45 anos. Deixou o governo em 1992, mas
retornou meia década depois, escoltado por tanques do Exército de
Angola.
Fez fortuna no poder. Os Nguesso são proprietários de
66 imóveis de luxo na França, em áreas nobres do eixo
Paris-Provence-Riviera - segundo levantamentos apresentados ao Tribunal
de Paris pela Sherpa, líder das organizações não governamentais
francesas na denúncia judicial. Entre os destaques está uma villa de 500
metros quadrados em Vésinet, a 16 quilômetros da Torre Eiffel; um
apartamento de dez ambientes na rua de La Tour e outro de 328 metros
quadrados na avenida Niel.
A família presidencial não esconde o
apreço pela ostentação, como demonstra Denis Christel Nguesso, herdeiro
político, ministro da Defesa e diretor da estatal que comercializa o
petróleo do Congo.
Os extratos de seus cartões de créditos
desde 2005, anexados a processos na França e no Reino Unido, sugerem uma
rotina de exorbitâncias em compras de vestuário no circuito
Paris-Mônaco-Marbella-Dubai. Pelas faturas, sabe-se que o herdeiro
político do Congo tem predileção por cuecas Torregiani - já gastou R$
9,3 mil (¬ 3,1 mil) numa só visita à loja parisiense. Costuma fazer a
alegria dos vendedores da rede Louis Vuitton: raramente gasta menos de
R$ 60,3 mil (20,2 mil euros) em acessórios.
No país dos
Nguesso, essa quantia seria suficiente, por exemplo, para adquirir 40
mil doses de vacina contra sarampo, causa de mortalidade de um terço dos
congoleses recém-nascidos.
Até 15 dias atrás, persistia o
mistério sobre a fonte de financiamento e a forma como o dinheiro
chegava às contas dos Nguesso. Os registros de transferências diretas do
Tesouro, apreendidos na Franck Export, acenderam luzes sobre a trilha
de lavagem.
Mais do que fenômeno político, as repúblicas
hereditárias ou dinastias republicanas da África se caracterizam como um
caso de estudo judicial. A história do Gabão nos últimos 46 anos é
exemplar.
Na sexta-feira 25 de maio, a presidente Dilma
Rousseff estava em Adis Abeba, capital da Etiópia, quando recebeu em
audiência privada Ali Bongo Odimba, presidente do Gabão. Combinaram a
liquidação de uma dívida de R$ 54,1 milhões (US$ 24 milhões) com o
Brasil, a partir do perdão de 15% do valor.
Quando essa dívida
foi assumida, sob a forma de importações de carne enlatada, o presidente
gabonês já estava designado como herdeiro político de Omar Bongo. Era
porta-voz no partido único e, desde a conversão ao islamismo em 2004,
refreou sua paixão pelo soul, gênero musical típico dos EUA (chegara a
gravar um disco, "A Brand New Man", produzido pela equipe da estrela do
gênero, o cantor James Brown).
O clã Bongo é uma das mais
antigas dinastias republicanas da África: comanda o Gabão há 46 anos.
Ali, 54 anos, herdou uma ditadura rica em petróleo e manganês, com
população reduzida (1,5 milhão) e alguns dos melhores indicadores
sociais africanos - a taxa de mortalidade infantil (49 mortes por grupo
de 1.000 nascimentos) é mais que o dobro da brasileira. Herdou, também,
uma das maiores fortunas do planeta, que ajudou o pai a construir
impondo aos negócios do Estado os interesses da família.
Um
exemplo: na investigação sobre a origem da fortuna da família Bongo, o
Senado dos EUA encontrou transferências de até R$ 292,5 milhões (US$ 130
milhões) do Tesouro do Gabão para contas privadas no Citibank em Nova
York.
Intimado, o banco argumentou ser rotineira a reserva de
8,5% do orçamento gabonês para gastos da família presidencial.
Incrédulos, senadores americanos convocaram especialistas do FMI e do
Banco Mundial para explicar como isso poderia ser feito dentro dos
padrões orçamentários internacionais. A resposta foi: impossível.
Fonte: Jornal O Globo de domingo, 4 de agosto de 2013
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