Organização de coletivos culturais têm sido alvo de ataques que questionam a transparência de suas ações
Após a enxurrada de críticas recebida
nos últimos dias, o Circuito Fora do Eixo (FdE) deve tornar suas contas
públicas na internet até o próximo sábado (dia 17), afirma Felipe
Altenfelder Silva, um dos membros mais conhecidos do grupo. A rede de
coletivos culturais criada em 2005 virou alvo de acusações após dois de
seus participantes notórios, Pablo Capilé e Bruno Torturra, terem sido
entrevistados no programa “Roda Viva” (TV Cultura) na última
segunda-feira.
A organização reúne associações culturais em todo o país,
e sua área de comunicação colaborativa, Mídia Ninja, comandada por
Torturra, ganhou reconhecimento a partir da cobertura em vídeo, em tempo
real, dos protestos realizados em junho pelo Brasil. Divulgação/Facebook Casa Fora do Eixo
Evento realizado na Casa Fora do Eixo, em São Paulo
As reclamações contra o FdE têm em comum o
ataque a dois pontos principais: a falta de transparência nas cifras
(que resultaria em remunerações imprecisas aos artistas que se associam à
rede) e a apropriação de movimentos culturais e sociais criados por
pessoas de fora da organização.
Um dos queixosos, o músico Daniel Peixoto, por exemplo,
exige os lucros que o FdE teria obtido com exemplares de um álbum seu, e
quer saber por que a organização oferecia apenas ajudas de custo para
quem participasse de festivais do FdE, como o Grito Rock. “Fiquei
tocando de graça até o carnaval de 2013”, conta Peixoto. “Paguei
transporte e comida para toda a minha equipe, enquanto o Fora do Eixo só
pagou os R$ 250 que me haviam prometido depois de uns dois meses,
quando reclamei no Twitter”.
Peixoto também questiona o cubo card, moeda paralela
criada pelo grupo para realização de permutas entre profissionais de
várias áreas que pertençam à rede. “No meio musical, ‘Cubo Card’ é uma
piada. Não estou dizendo que não existe, mas nunca vi gente que comprou
algo com isso. Eu não moro numa das Casas Fora do Eixo, eu preciso
comprar comida, tenho um filho de 4 anos e meio” afirma. “As pessoas
estão questionando tanto porque ninguém entende (o funcionamento da
moeda).”
Fazendo coro ao amigo professor da Universidade de Miami
George Yudice, que reclamou de como supostamente o FdE se apropriou de
um grupo de festivais de música organizado pela sua mulher em países da
América Central, a economista Ana Carla Fonseca Reis também tem críticas
ao FdE. Ela nunca trabalhou dentro do sistema da rede, mas diz conhecer
o trabalho do grupo desde 2006, tendo inclusive palestrado com Pablo
Capilé em alguns momentos.
Fonseca é especializada em economia criativa, inclusive
ocupando o posto de assessora dessa área na Organização das Nações
Unidas (ONU). “O trabalho do Fora do Eixo é muito referencial para quem
procura modelos alternativos de circulação da cultura brasileira”,
adianta. “Mas o cubo Card, como qualquer moeda alternativa, é uma
excelente ideia, porém tem limites claros. Você não consegue expandi-la
para além da área de circulação, fica restrita a um contexto”. Ela
também diz “estranhar” a aproximação do FdE de partidos políticos quando
recebe verbas públicas por meio de editais. Segundo Capilé, “entre 3% e
7%” do dinheiro que circula na rede vem de editais.
A falta de clareza, segundo Altenfelder, do FdE, vem
justamente do fato de a organização não existir juridicamente – na
prática o Circuito Fora do Eixo é um aglomerado de cerca de 200
instituições espalhadas pelo Brasil. Cada uma dessas casas tem um
Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e, segundo Altenfelder, são,
majoritariamente, associações (nenhuma delas seria organização não
governamental).
“A cobrança de agora é até pedagógica para a rede ir
amadurecendo”, afirma ele. “Se tivéssemos adotados o perfil de uma
gravadora tradicional, seríamos até menos cobrados.”
Sobre as reclamações de artistas que não veem vantagem em
prosseguir trabalhando por meio do FdE, Altenfelder diz: “Não é
obrigação nossa dar conta da sustentabilidade (financeira) da música
brasileira”.
“Depois que um artista cresce”, continua, “como a Gaby
(Amarantos), por exemplo, só consegue trabalhar com a gente de modo
complementar. Eles continuam porque querem estar nas cidades fora do
eixo (Rio-São Paulo), estar em festivas em que se entra contato com
outros artistas. Cabe a cada artista lidar com isso ou não.”
Por fim, Altenfelder também nega as denúncias de
apropriação de movimentos sociais e musicais alheios ao FdE. “É uma
acusação grosseira. Um raciocínio que subestima todos os atores: os
movimentos supostamente aparelhados; as pessoas do Fora do Eixo que
fazem parte de vários movimentos; e as pessoas que fazem parte dessa
narrativa (ao espalhar pelas redes sociais a participação do FdE em
manifestações). Se analisarmos pela Mídia Ninja, com a proporção que
ganhou, acho complicado você dizer que a opinião pública depende de uma
organização que a está manipulando. Acho que quem está na rua é mais
inteligente.”, diz. “Inspiramos outros coletivos e mais pessoas a irem
para a rua.”
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